O pesadelo de Ícaro

Se todos estivessem no "lugar de fala", ninguém falaria absolutamente nada

2021 vai terminando e chego à conclusão de que o nosso Brasil já não é mais a sombra da lenda que foi criada em torno da nossa pátria amada. Para passar uma imagem de grande país aos estrangeiros, alguns idealistas nacionalistas tiveram a ideia de dizer pro mundo que o Brasil era "o país do carnaval", "o país do futebol", "o melhor país da América Latina para se viver", coisas do gênero.

Hoje, passado o ufanismo gerado em torno desta lenda, o que se vê nos dias de hoje é um festival de mentes sem empatia e que, pra fazer de conta que apoia certas causas, acaba opinando sobre qualquer coisa e simplesmente lacrando, até pra dar um afago às suas fanbases.

É basicamente esse tipo de pessoas que se utiliza do famigerado politicamente correto para tentar, na grande maioria, farmar bases de apoio às suas teses, em parte, ridículas. Em outras palavras: bem-vindos ao Brasil, o país onde se costuma lacrar com causas sérias.

O caso mais recente que me vem à cabeça é o do ator Ícaro Silva, de quem eu particularmente gostava. Ícaro deu uma bizarra declaração em relação ao Big Brother Brasil, que voltou a ser um fenômeno em 2020 depois da revolução feita para que se pudessem entrar alguns famosos ou subcelebridades, em resposta a muitas pessoas que pensavam que ele estaria no Camarote da edição 2022.

Gente, respeita a minha história, a minha trajetória, meu ódio por entretenimento medíocre e minha repulsa por dividir banheiro. Parem de acreditar nessa história absurda de que eu cogitaria ir para o ‘Big Boster Brasil'.

Leifert, recém-egresso da Globo, o respondeu com um cavalheirismo que não se viu nas respostas dadas à ele, Leifert, depois.

Meu sossego foi interrompido por um tweet do ator. Oi, Ícaro, sou o ex-apresentador do BBB. Não vou tentar mudar sua opinião. Você tem total direito de achar qualquer produto ‘medíocre’. Assim como eu, por exemplo, posso dizer o que eu penso de você: você é um excelente ator. Contudo, sua opinião sobre realities não é uma crítica construtiva e, sim, apenas uma agressão gratuita a quem nunca te fez mal.

Aliás, não só não te fizemos mal como provavelmente pagamos o seu salário nessa última aê! Achar que o que você faz é superior não é baseado em fatos; é arrogância mesmo. Nenhuma métrica é capaz de dar embasamento ao que você escreveu: nem audiência, faturamento, repercussão, relevância, etc. Só seu gosto pessoal está do seu lado nessa; mas ele deixa de ser pessoal quando você o escreve na rede social. Mesmo apagando depois.

Eu também pretendo apagar esse post aqui. Respeita nossa história, nossas equipes e o entretenimento que a gente proporciona. Se você realmente acredita no que você escreveu, você deveria ser adulto e nunca mais aceitar trabalho de nenhuma empresa que promova o entretenimento que você acha ruim. Que tal? Qual seu plano pra 2022? Alguma novela? Talvez seja hora de repensar, não se misturar com produtos inferiores a você. Vai firme e feliz ano novo.

Então, Ícaro, que ainda não baixara a bola e não entendeu que o que Leifert fez não foi uma crítica racista, treplicou o seguinte:

Possivelmente você nunca vai entender isso, mas para uma pessoa preta e queer estar em destaque, contratada ou empregada ela precisa estar realmente excelenteEntão não tem como você estar pagando meu salário, Tiago. Não fossem meu talento, minha história, minha trajetória, uma luta filha da p*** diária e essa cara bonita eu acho que nem vivo estaria.

Foi aí que a turma da lacração se atentou ao gatilho: a hora perfeita pra transformar o Leifert em racista, só porque, com educação, discordou de um ator... preto e queer. Segundo o portal RD1, nomes de relevância como Jessica Ellen, Débora Nascimento, Giovanna Lancellotti, Fabiula Nascimento (a quem também respeito) Stephanie Ribeiro (que não sei se já está na Band pra acompanhar o Faustão) e Samantha Schmutz (por que será?!) aprovaram a posição de Ícaro em relação ao BBB, sem ao menos se darem ao luxo de tentar entender o que Leifert escreveu. Ainda de acordo com o RD1, "(...) a lista ainda conta com outras personalidades, como Grazi Massafera, Monica Iozzi, Bruno Gagliasso, Giovanna Ewbank, Gaby Amarantos e Marcelo Serrado (...) Babu Santana, Thelma e Manu Gavassi, do BBB 2020, são alguns deles (...)".

O que eu disse no início bate exatamente com essa celeuma toda. A lacração partiu do próprio ator, que se sentiu ofendido por ter exposto uma opinião pessoal porém pública, e aplaudida por inúmeros setores só por ele ser preto e LGBTQIA+. Ou seja, agindo assim, Ícaro não está combatendo o racismo que sempre existiu na classe artística, muito pelo contrário, aliás. Sua arrogância e prepotência, comparada à falta de paciência pra tentar pelo menos entender o que Leifert escreveu, diminui em 67% a probabilidade do Brasil ter um movimento sério que lute contra o racismo.

Ou seja, a lacração com causas nobres está diretamente ligada a um mecanismo inventado por gente que não tem absolutamente nada pra fazer e acha que pode mandar na nossa vida, como se fosse o Criador do Universo (a diferença, meus amigos, é que só Ele pode mandar em nós, mais ninguém). Por isso, esse mecanismo deve ser combatido a todo custo: o politicamente correto.

Para quem não sabe ou não estudou sobre o assunto: o termo "politicamente correto" existe desde o século XVIII e, acreditem se quiserem, não foi inventado por um político. Foi por um juiz que... tá certo, também era político, mas era primordialmente juiz. Em 1793, nos Estados Unidos, o juiz da Suprema Corte James Wilson, um dos caras que assinou a Declaração de Independência americana, disse, ao final de um discurso ou documento, não me lembro, a seguinte frase: "Isso não é politicamente correto". Pois bem, esse termo nunca foi tão usado como agora.

Muitos dizem que o politicamente correto "(...) é usado para descrever expressões, políticas ou ações que evitam ofender, excluir e/ou marginalizar grupos de pessoas que são vistos como desfavorecidos ou discriminados, especialmente grupos definidos por gênero, orientação sexual ou cor (...)". E isso tá até na Wikipedia, a quem interessar possa.

Porém, não é bem assim que o mecanismo funciona. O que o politicamente correto faz é feito totalmente ao contrário do que diz que faz. Ao invés de proteger grupos de pessoas e integrá-las à sociedade, o que o politicamente correto faz é segregá-las e aumentar o ódio dos haters e preconceituosos. Afinal de contas, não é esse mecanismo imbecil que fará com que muitas classes sejam respeitadas por esse tipo de gente sem coração e, muito provavelmente, sem alma.

O respeito às diferenças sim, deve ser pregado, porém, não deve ser imposto. Já não basta a mídia, as leis, os políticos impondo-nos todos os dias um bocado de coisas que muita gente não respeita, agora isso?! E aliás, é o politicamente correto quem destroi por completo causas nobres, às quais se impõe um estilo desnecessário. Há três pontos que as classes que querem se sentir representadas devem imediatamente abolir de seus discursos.

1º: lacrar com coisa séria. Já vi muitas causas como o feminismo e a luta pelos direitos LGBTQIA+ ir diversas vezes para o buraco por conta de pessoas que, embora militando em causas nobres, só querem se aparecer. Um dos casos midiáticos sobre o assunto aconteceu esse ano, envolvendo a dupla sertaneja Israel & Rodolffo, que lançaram a música "Dar Uma Namorada" e foram acusados por uma psicanalista de alimentar e/ou fomentar a cultura do estupro. Só que o pior não foi ela ter feito o vídeo descendo o sarrafo na música, e sim ter se gabado de aparecer no G1 por conta disso. Cês acham que eu tô mentindo?


Essa psicanalista, a quem me recuso em chamar pelo nome porque não faz por merecer a repercussão que tem, se diz feminista. Mas, a bem da verdade, se quiser ser realmente uma feminista de respeito, não lacre! Antes que alguém me pergunte: pra fazer o que estou fazendo, stalkeei o perfil da moça e o tanto de vídeos que ela faz humilhando os homens não dá pra contar nos dedos. Feminismo não é isso.

A cada 5 minutos, uma mulher é agredida, estuprada ou morta no paísE o que essa moça faz? Joga no lixo a educação que provavelmente sua mãe lhe deu e o diploma que lhe deve ter custado caro pra ter, fazendo a mesma coisa que faz todo machista, ou troglodita-alfa, como prefiro chamar. E ainda diz que tá sendo atacada por "furar a bolha".

O que ela faz não é furar a bolha, o que ela faz é feminismo reverso. É o machismo disfarçado de feminismo, coisa que, dentro do próprio universo sertanejo, a Naiara Azevedo já faz desde que lançou o "Coitado" lá em 2010 e estourou com os "R$ 50" em 2016. É pisar nos homens, falar que eles são todos iguais, humilhá-los até eles pedirem penico... coisa que os trogloditas-alfa já fazem com as mulheres desde que o mundo é mundo.

Eu defendo e sempre defendi que as mulheres devem sim ter direitos iguais aos homens em todos os aspectos, mas um sexo não pode dominar o outro. Já se sabe o que aconteceu com os trogloditas-alfa mandando em tudo e sempre relegando as mulheres ao último planoE isso a política não quer apagar da história, o que nos leva ao segundo ponto: o que importa não é o feito, e sim quem o faça. O próprio caso da música "Dar Uma Namorada" e do hit que se tornou "Batom de Cereja", por exemplo, só atiçaram os críticos do sertanejo porque Rodolffo estava no BBB 21, o mesmo reality que o Ícaro odeia tanto.

Aliás, há certos influenciadores mundo afora que, por terem dinheiro, contatos importantes e o cacete a 4, acham que podem mandar em tudo e todos e julgar tudo e todos com a sua própria régua. Entenda-se por influenciadores não apenas aqueles que estão aqui, na Internet, mas estão em todos os outros meios de comunicação, à frente de um microfone ou atrás das câmeras.

Pois bem, muitos destes influenciadores odeiam ser contestados, se julgando deuses de não-sei-o-quê. Primeiro: não são deuses, são seres humanos como qualquer outro na face da Terra. Ou seja, são passíveis de críticas. Segundo: o único que nos pode julgar é Deus, e olhe lá. Terceiro, e o mais alarmante: são estes influenciadores que têm o politicamente correto em suas mãos, como se fossem a diretoria do Serviço de Censura de Diversões Públicas da ditadura militar.

Uma das ideias mais periclitantes (e ao mesmo tempo idiotas) é tentar nos empurrar goela abaixo a tal da linguagem neutra. Uma das defensoras deste movimento insólito no nosso idioma é a autora de novelas Cláudia Souto, que escreveu "Pega Pega", reprisada há pouco tempo. Ela havia feito esse movimento no núcleo da Bebeth, filha do Eric, o dono do Hotel. Mas se encaixou perfeitamente ali porque ela era uma menina excepcional, ou seja: nós, que somos diferentes (e quando eu digo nós, eu também falo por mim, porque sou autista), temos muitas características que pessoas aparentemente normais não têm.

O porém é que querem impor a linguagem neutra pra todo mundo na vida real. A próxima novela das sete, que vai substituir "Quanto Mais Vida, Melhor", será escrita pela Cláudia Souto, chamada "Cara e Coragem". E sim, ela vai entrar fundo na linguagem neutra. Muitas pessoas já disseram isso inúmeras vezes e eu também digo: a linguagem neutra não aproxima os LGBTQIA+ das pessoas cis, e sim as segrega. É sobre isso. Aliás, a imposição da linguagem neutra pode ser um dos fatores que podem levar a Rede Globo à falência já em 2022, como já expliquei num artigo do meu outro blog, o TVer Ou Não TVer.

Vocês entenderam? O politicamente correto é exatamente isso: não é o que é feito, é quem o faz. Se a pessoa pensa diferente de você, você se acha no direito de surrá-la com chicote de couro; mas se a pessoa tiver todos os defeitos que você apontou na outra que pensa diferente de você e mesmo assim pensar igual a você, você a acaricia com luvas de cetim. Aliás, quando se trata de apontar o erro de quem não pensa igual a você só porque você pode e ele não, é aí que entra o terceiro ponto, mais ligado ao segundo, e talvez o mais perigoso de todos: a influência direta dos políticos.

É neste ponto onde eu explico o porque do termo "politicamente correto": se a pessoa é machista, arrogante, prepotente e preconceituosa, você, praticante do politicamente correto, já corre atrás de criticá-la; agora, se a pessoa é machista, arrogante, prepotente, preconceituosa e pertence ao seu espectro político, você se cala. Querem exemplos práticos? Então, vou dar nomes aos bois com três dos nomes mais visados para as eleições do ano que vem.

• O Jair é machista, arrogante, prepotente, preconceituoso e comprovadamente corrupto, mas você vai defendê-lo com unhas e dentes e atacar os seus críticos chamando de "comunista", "isentão", "vai pra Cuba"... enfim, o mesmo disco riscado de sempre.
• O Luiz Inácio é machista, arrogante, prepotente, preconceituoso e comprovadamente corrupto, mas você vai defendê-lo com unhas e dentes e atacar os seus críticos chamando de "fascista", "bolsominion", "MBLixo"... enfim, o mesmo disco riscado de sempre.
• O Ciro também é machista, arrogante, prepotente, preconceituoso e comprovadamente corrupto, mas você vai defendê-lo com unhas e dentes e atacar os seus críticos chamando de... como é que os ciristas chamam os críticos do Ciro?... Enfim, não sei, mas sei que xingam de alguma coisa.

Para quem não se lembra: o termo "politicamente correto" voltou a ser usado com toda força há 20 anos atrás, quando o advogado Orlando Fantazzini, então deputado federal pelo PT de São Paulo, organizou uma campanha de moralidade na mídia chamada "Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania". A campanha foi aplaudida pela Record e seus asseclas, visando combater exageros em programas que foram líderes de audiência nos anos 90 e que, até ali, continuavam sendo líderes.

Desde então, o que se viu foi uma queda brusca de audiência em todas as emissoras: programas que davam 30 pontos passavam a dar 15; novelas que davam até 50 pontos de pico passaram a dar 30 e olhe lá. Antes mesmo do fortalecimento da Internet, da revolução do YouTube e do surgimento dos streamings, já havia uma fuga de audiência. Mas esta fuga não ia pra lugar nenhum à época.

Fantazzini foi um dos muitos que revitalizaram o "politicamente correto", por ser advogado e político. O termo foi inventado por um juiz e político. Em resumo: se você exerce uma profissão na área penal e quer ir pra política, não caia no politicamente correto. É a pior coisa que um juiz pode apoiar quando se torna político.