O texto a seguir, retirado do Almanaque Abril 2006 e adaptado com atualizações pontuais, é a cronologia dos fatos acontecidos em torno do escândalo que abalou a primeira gestão do atual presidente da República.
A esquerda brasileira vive a maior crise de sua história por causa das denúncias de corrupção que envolvem o Partido dos Trabalhadores (PT) e o governo Lula. A crise começa em 14 de maio de 2005, com reportagem da revista Veja sobre o pagamento de propina a dirigentes dos Correios, envolvendo o antigo PTB e seu presidente na época, o então deputado federal Roberto Jefferson. O deputado resolve "colocar a boca no trombone" e dá início a uma série de denúncias. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 06 de junho, revela um suposto esquema de pagamento de mesada pelo PT a deputados aliados para a aprovação de projetos governistas. O esquema, apelidado de Mensalão, seria comandado pelo ministro-chefe da Casa Civil e braço-direito do presidente Lula, José Dirceu.
Líderes do PT, do PL e do Progressistas, partidos acusados de receber o mensalão, negam conhecer ou participar do esquema. Em 07 de junho, Lula diz que os envolvidos serão punidos. "Cortaremos na própria carne, se necessário", afirma. Dois dias depois, é instalada a CPI dos Correios. Jefferson confirma ao Conselho de Ética, em 14 de junho, as denúncias que fizeram em nova entrevista à Folha de S. Paulo: que o dinheiro do mensalão chegava a Brasília em malas e vinha de estatais e empresas privadas e as negociações ocorriam em uma sala ao lado do gabinete de Dirceu, onde ficava o secretário-geral do PT, Silvio Pereira. O deputado revela o nome do suposto operador do Mensalão, o publicitário mineiro Marcos Valério. Diz também ter recebido 4 milhões de prometidos 20 milhões de reais do PT para ajudar em sua campanha. Esse dinheiro seria proveniente de caixa dois.
Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária de Marcos Valério, põe mais lenha na fogueira ao declarar que viu malas de dinheiro sair das agências de publicidade do empresário e que ele mantinha contato com José Dirceu, Silvio Pereira e Delúbio Soares, o tesoureiro do PT. Mais uma vez os acusados negam tudo. Em 16 de junho, a crise faz sua primeira vítima graúda: o ministro Dirceu pede demissão e reassume seu mandato de deputado, disposto a "defender os rumos do governo".
Em 22 de junho, a CPI dos Bingos, criada em 2004 para apurar a ligação das casas de jogos com lavagem de dinheiro e com o governo, é instalada por determinação do Supremo Tribunal Federal. No dia seguinte, Dirceu depõe na Corregedoria da Câmara e volta a negar as acusações de Jefferson. Mas admite ter conversado com Valério por telefone algumas vezes.
Em 24 de junho, são descobertos saques de 20,9 milhões de reais realizados pelas empresas de Marcos Valério no Banco Rural, entre julho de 2003 e maio de 2005. O publicitário diz que o dinheiro foi usado para comprar gado, e não para pagar o Mensalão. Em depoimento, Delúbio chora e diz que há um "complô de direita para derrubar Lula". A CPI dos Correios começa a investigar os saques. Veja revela que Marcos Valério foi avalista, com Delúbio e o presidente do PT, José Genoíno, de um empréstimo de 2,4 milhões de reais ao PT. Genoíno nega, mas depois volta atrás. Silvio Pereira e Delúbio são afastados do PT. Em depoimento à CPI, Marcos Valério admite amizade com Delúbio e diz desconhecer o Mensalão.
Em 08 de julho, José Adalberto Vieira da Silva, assessor do deputado petista José Nobre Guimarães, irmão de Genoíno, é preso em São Paulo com 200 mil reais na mala e 100 mil dólares na cueca. O episódio vira piada e provoca a queda de Genoíno. Quatro dias depois, Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, perde o status de ministro por causa de denúncias de corrupção em contratos de publicidade do governo. Em uma tentativa de justificar os sucessivos saques, Marcos Valério diz que o dinheiro era para pagar dívidas de campanha do PT. Delúbio embarca na história e assume sozinho o caixa dois. Até o presidente Lula admite o "deslize" em entrevista à TV francesa. Mas, para ele, o PT só fez o que todos os partidos fazem.
Silvio Pereira afirma à CPI dos Correios nunca ter ouvido falar em Mensalão. Descobre-se que o Land Rover registrado em seu nome foi presente de uma empreiteira que tinha contratos com a Petrobras. Três dias depois, Silvio admite ter recebido o carro e se desfilia do PT. Nesse meio tempo, surgem outros nomes que teriam sido beneficiados pelo esquema, entre eles os do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha e dos deputados José Janene (PP-PR), Paulo Rocha (PT-PA) e Carlos Rodrigues (PL-RJ).
A enxurrada de denúncias provoca a instauração da CPI do Mensalão, apesar da resistência do Governo. O PSDB é envolvido na crise, acusado de receber recursos do "valerioduto", em 1998, na campanha à reeleição do governador Eduardo Azeredo (MG). O presidente do PSDB mineiro, Narcio Rodrigues, admite o uso de caixa dois.
Em 1º de agosto, para escapar da cassação e manter os direitos políticos, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, renuncia. Seu gesto é seguido pelo deputado Carlos Rodrigues. Enquanto isso, na CPI dos Bingos, diretores da empresa que opera as loterias da Caixa Econômica Federal voltam a dizer que sofreram tentativa de extorsão por parte de Rogério Buratti, ex-assessor do ministro Antonio Palocci na época em que era prefeito de Ribeirão Preto, e de Waldomiro Diniz, ex-assessor de Dirceu na Casa Civil.
As denúncias não param de pipocar e derrubam o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, acusado de cobrar propina do empresário Sebastião Buani para que ele continuasse a operar o restaurante da Câmara. Pouco antes, a Câmara cassa o mandato de Roberto Jefferson, por 313 votos a 156. Apesar das acusações, Lula insiste em dizer que não sabia de nada e afirma que, "com ou sem ódio, eles vão ter de me engolir outra vez", referindo-se às eleições de 2006, das quais saiu-se como grande vencedor, angariando um 2º mandato.
Em novembro, a CPI do Mensalão é encerrada sem apresentar provas do funcionamento do esquema, a não ser uma lista de parlamentares cassáveis. No mesmo mês, Palocci é trazido para o centro da crise, mas não por causa do Mensalão. Buratti é acusado de participar de um esquema de propina quando Palocci era prefeito de Ribeirão Preto e diz à CPI dos Bingos que dinheiro de donos de bingos abasteceu o caixa dois da campanha de Lula em 2002. Pressionado, o ministro aproveita o depoimento sobre política econômica à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado para falar dos outros assuntos. Nega tudo e ganha sobrevida no cargo.
O mês de novembro registra a cassação do deputado José Dirceu (30 de novembro), após vários adiamentos judiciais. Foram 293 votos a favor e 192 contra, no que o governo classificou como ato político, já que não teria sido provada sua participação no Mensalão. O ex-todo-poderoso do governo tem os direitos políticos cassados até 2015. A crise, porém, está longe de acabar.