A justiça sangra

No limiar da loucura, autoridades agem como se quisessem usurpar uma função que é, na teoria, legislativa


Se rir virou crime, o silêncio virou regra”. Esta frase, proferida pelo humorista Léo Lins, é basicamente um retrato do que as pessoas que, em tese, deveriam ter notável saber jurídico estão fazendo. Embora eu não aprecie o método de humor deste comediante, tenho respeito pelo que ele faz, porque é o ganha-pão dele. Todavia, se eu fosse togado, jamais o mandaria pra cadeia, com o adendo de uma multa milionária, simplesmente por não gostar ou “me sentir ofendidinho” com o tipo de humor com o qual ele trabalha.

Só que, tentando provar para o Exc. Sr. Ministro do STF Alexandre de Moraes que pode substituí-lo à altura, a senhora Barbara de Lima Iseppi, da 3ª Vara Criminal de São Paulo, proferiu contra o humorista supracitado a contraditória sentença condenatória de 8 anos de reclusão e 39 dias-multa, o equivalente a 30 salários mínimos por dia. Alegando que seu show de stand-up comedy “propaga preconceitos” e “reforça estigmas contra minorias e grupos vulneráveis”, ela acatou uma denúncia do Ministério Público Federal, órgão este que faz o símbolo da justiça sangrar cada vez que comete atos que são atestados de imbecilidade, tais como este.

Repito para que fique claro: não aprecio e tampouco tolero as piadas que o Léo Lins conte ou deixe de contar. Mas isso não significa que um órgão que deveria zelar pelo cumprimento das leis ao invés de querer legislar, bem como uma magistrada que deveria julgar pelo que é, de fato, lei e não por ideologias alinhadas às pessoas que processam, cheguem ao cúmulo do absurdo de imitar autocracias ditatoriais como Coreia do Norte, Rússia, China e Arábia Saudita.

E, lógico, alguns jornalistas de páginas de fofoca, profissionais tendenciosos, sempre à caça de polêmicas, alegam que as piadas que Léo Lins conta são “(…) ofensivas e discriminatórias contra negros, indígenas, pessoas com deficiência, judeus, evangélicos, homossexuais, nordestinos (…)”. Tá… agora o Porta dos Fundos e o Tiago Santineli praticam o humor saudável, é isso?

Até a atriz Luana Piovani, que fora dos estúdios parece estar interpretando uma das vilãs mais ardilosas que as redes sociais já viram, proferiu sua opinião sobre o assunto, dizendo: “Não acho pouco oito anos (…)”. Tá… mas e se fosse um comediante qualquer que ela realmente gosta? Ela diria a mesma coisa? “Só vi macho defendendo (…) Se tivessem uma filha espancada ou uma irmã estuprada, talvez não achassem a pena exagerada (…)”. Então, o que o Léo Lins tá fazendo, na opinião dela, é uma apologia ao crime.

Dito isso, tomara que vazem as playlists que ela escuta. Se ali tiver Oruam ou Poze do Rodo, veremos quem ela apoia: quem ela acha que está ou quem realmente está cometendo o delito de “associação” ou “apologia ao crime”. E, aliás, não é demais lembrar: caras como esses que citei praticam coisas iguais às que ela diz que o Léo Lins incita ou até piores. Poze, inclusive, foi solto mesmo tendo ligação com o CV. A mulher dele, também procurada por associação com a tal facção, diz que estão sendo perseguidos. Por que será, né? Se formos procurar bem, não é só macho que apoia esses dois aí.

“(…) Ele é réu primário, branco, tem dinheiro e é famoso (…)”. Ora, a própria Luana também bate exatamente com essas características. Se opinião virar realmente crime, ela vai ser a primeira a ser presa. Isso se não pagar pra se livrar da cadeia (como o Léo Lins com certeza vai fazer).

E não é só Léo Lins que está sendo perseguido pelas autoridades “ofendidinhas”. O repórter Luiz Vassallo, heroi que devassou o escândalo do rombo do INSS que começou com Bolsonaro e continuou com Lula, escândalo esse que não teve um só jacu devidamente punido até agora, foi sumariamente convocado a “prestar esclarecimentos” porque um delegado, ex-chefe do DEIC da Civil paulista, esteve envolvido com um delator do PCC, hoje falecido.

O departamento acabou respondendo depois ao Metrópoles, onde Vassallo trabalha, que “se refere à apuração de suposta prática de crime contra a honra”. Pera lá… o delegado já não cometeu ele mesmo crime contra a honra da corporação recebendo propina do defuntoE sem querer esquecer da pessoa-chave desta bagunça judiciária, este despretensioso blog sempre questiona a autoridade do Exc. Sr. Ministro Alexandre de Moraes, vide os abusos que ele comete a cada... cinco segundos.

Gente, é isso que eu tô dizendo: autoridades cometem delitos e fica por isso mesmo; pessoas comuns trabalham e são condenadas por seu trabalho. E o pior: as autoridades que cometem delitos é quem prendem e condenam as pessoas comuns que trabalham por seu trabalho. Tô louco pra saber qual foi a cagada que a magistrada que condenou Léo Lins cometeu pra ter tomado uma decisão porca dessas.

Os executores da lei agora querem legislar, esquecendo-se que, para tal, devem se afastar de seus cargos, filiar-se a um partido político, se candidatar ano que vem para a Câmara ou o Senado em seus respectivos domicílios eleitorais e torcer para que o povo respalde suas campanhas com o voto, infelizmente, obrigatório. Mas não: utilizando-se de seus cargos, perseguem quem os delate. E a justiça sangra.